Um ano depois de retorno, Tite diz: "Não tenho medo de perder a taça"

Publicado  quinta-feira, 20 de outubro de 2011


Exatamente um ano atrás, a oito rodadas do término do Campeonato Brasileiro, a diretoria do Corinthians apresentava Tite como seu então novo comandante técnico para suprir a lacuna deixada pela demissão de Adilson Batista. O treinador abdicara assim de disputar o Mundial de Clubes, à frente do Al-Wahda (Emirados Arábes), mas teria oportunidade real de ser campeão pela primeira vez em São Paulo, ao contrário das passagens anteriores pela capital paulista, quando o chamado tinha como objetivo salvar Palmeiras e o próprio Corinthians do rebaixamento à Série B. Ele somou cinco vitórias e três empates, mas não foi o suficiente para levar a equipe além do terceiro lugar. Perto do título mais uma vez, com o time na liderança a oito rodadas do fim, Tite diz não ter medo de fracassar.
"É diferente agora, com a possibilidade de alçar um voo maior, com o título. Isso tem brilhado os olhos", justifica o treinador. Em entrevista à GE.Net, ele "vê um monte de histórias" desde 20 de outubro do ano passado, dia em que voltou ao clube após a primeira passagem, entre 2004 e 2005. Revela que já teve a certeza de que seria demitido neste ano, conta o porquê de estarconfiante nesta reta final de competição e diz estar engasgado até hoje com a provocação de um jogador rival. Além desses e de outros assuntos, Tite fala especialmente da vida como cidadão paulistano por conta da terceira chance da carreira na cidade. "Eu me adaptei bem", explica.
GE.Net - Faz um ano que você retornou ao Corinthians. Passou rápido?
Tite - 
Na semana passada nós conversamos, você me falou a respeito disso e eu não tinha dimensionado ainda, só sabia que era no final do ano. Comecei a voltar no tempo. Passou rápido mesmo. Tantas coisas passaram, a gente fica sempre envolvido. Foi rápido e, ao mesmo tempo, tiveram tantas passagens...
De que momento você mais se lembra?Eu me lembro da chegada, do momento do convite. Depois, a sequência de jogos que fizemos, com nível de aproveitamento de mais de 60%, com cinco vitórias e três empates nos oito jogos finais, mas não o suficiente para conquistar o título. A remontagem da equipe... Iniciamos o outro ano (2011) procurando a Libertadores, com 19 dias de treinos, sem estar com a equipe ajustada taticamente e sem estar com preparo adequado para a competição. Ficar fora da Libertadores foi o marco duro durante essa campanha toda. Na sequência, a recuperação no Campeonato Paulista. Talvez a equipe menos estruturada no início fosse o Corinthians, que se reestruturou rapidamente, chegou à final e fez dois jogos muito parecidos contra o Santos. Poderia ter vencido, de maneira muito natural. Seguindo e abrindo no Brasileiro, tendo grande campanha no início. Já foram mais de 20 rodadas na liderança (além das 19 de fato, aquelas em que dividiu a ponta com o líder). Quer dizer, a gente olha para trás e vê um monte de histórias. 
Com as passagens por Corinthians e Palmeiras, você se sente um gaúcho um pouco paulistano?Sinto antes já. A passagem pelo São Caetano (clube da grande São Paulo) foi importante. A primeira vez no Corinthians foi para um processo de recuperação, diferentemente do que está me sendo proporcionado agora. No Palmeiras também foi recuperação. As duas equipes estavam tentando se afastar da zona de rebaixamento. No Corinthians, chegamos em quinto lugar e montamos a base da equipe campeã brasileira. Com o Palmeiras, o percentual de aproveitamento foi o que deu a sustentação para que o time não caísse para a segunda divisão. Se não tivesse tido aquele aproveitamento comigo, teria caído. É diferente agora, com a possibilidade de alçar voo maior, com título. Isso tem brilhado os olhos.
Você gosta da cidade de São Paulo?Eu me adaptei bem à cidade e sinto que minha família se adaptou também. Isso facilita. Retornei para o mesmo local onde morei em 2004, onde meus filhos estudaram, onde minha esposa já tem um círculo de amizades e fica mais à vontade. Isso dá tranquilidade. O lado familiar e o lado profissional. Se a coisa não concilia, você não se sente bem, acaba levando para a tua atividade. Não adianta eu querer dizer 'ah, uma coisa é o meu trabalho, outra é minha família'. Não, elas se ligam. Quando tenho essa tranquilidade com a família, consigo estar mais à vontade.
Consegue sair de casa?Eu saio, mas não tenho muito o hábito. Acho que por essa rotina do futebol, a gente acaba sendo um pouquinho mais caseiro. Gosto de cinema, de restaurante, leitura, alguns passeios, teatro quando possível, mas nada de extravagante. Cuido também, em momentos de resultados ruins, em não me expor de forma publica. Eu me conheço também, sou um cara que respondo à altura da coisa que vem. Então evito um pouquinho quando a coisa não está legal.
Algum tipo de comida específico?A gastronomia de São Paulo é extraordinária. Tem desde o bom churrasco à comida italiana, pizza. Nisso, ela é bastante diversificada. Tem uma cantina italiana que frequento bastante, no Tatuapé, para comer um gnocchi com queijo e polpettone à parmegiana.
Você usa bastante a expressão "tem que comer massa" mesmo...(Risos) É hábito do sul. Dizem que tem que comer a massa para ganhar depois o benefício. Tem que trabalhar, penar no lado ruim para conquistar o lado bom.
Você diz também que é uma pessoa normal, que come frango com farofa e maionese.É, eu gosto. Sei que o cargo de técnico do Corinthians empresta uma visibilidade muito grande. Sei também que, às vezes, posso influenciar um garoto. A forma de lutar por aquilo que é teu acaba sendo exemplo para uma série de jovens ou mesmo adultos. Vou te confidenciar o que, na terça-feira, me deixou muito feliz... À tarde fui ao shopping para comprar um presente para a filha do Dellamore (Geraldo Delamore, assistente técnico) e para o filho do Liedson (atacante). Estava saindo da loja, um rapaz me olhou e me chamou. Eu o cumprimentei, disse boa tarde, e ele me disse 'cara, eu sou são-paulino e não falo isto para os corintianos, mas o Corinthians merece ser campeão, você merece ser campeão'. Tem todo esse lado humano, natural. Gosto realmente de frango. Gosto, mas gosto bastante, não é pouco não. Falo até o nome da maionese: Hellmann's. Eu coloco para misturar com a farofa. Me dá aquilo ali que está feito o almoço (risos).
Você está confiante nesta reta final de campeonato?É um passo a cada dia na preparação, e a ansiedade vai tomando conta. Esse momento vai afetar muito o lado emocional, mas a gente vai colher muito do que plantou até agora. Quero minha equipe muito concentrada, intensa no trabalho. Ela tem que estar clínica e fisicamente à disposição. O atleta que entra já sabe a posição e a função que ele vai ter. Tem muita coisa plantada. Com esses detalhes, agora é ter melhor momento técnico de cada um. Tem que estar espiritualmente forte, perto de quem te fortalece, porque a ansiedade é muito grande. No jogo contra o Cruzeiro, o clima era uma coisa estúpida, extraordinária. A gente sentia. O Cruzeiro, para fugir do rebaixamento, e nós, na busca pelo título. Vai ser assim cada vez mais, vai ser de novo no domingo, contra o Internacional, no Beira-Rio. Temos que ser intensos no trabalho e estar concentrados. Sem isso, pode perder jogo decisivo.
Por algum deslize desse tipo, você tem medo de perder o título?Medo, não. Mas tem que ter cuidado para que essa melhor preparação exista, sim. Medo existe, mas a coragem tem que ser muito maior. Coragem não é ausência de medo. Vivo há 50 anos com meus fantasminhas. Quando comecei como técnico, me questionava se eu iria vingar como técnico. Agora o fantasminha é se vai vingar no Campeonato Brasileiro. Depois pode ser se a vai ganhar o Mundial. Todo mundo tem os seus medos e seus receios. Mas tem que ter coragem para encarar essas situações. A preparação dá confiança.
Em momento de pressão, após algum resultado, você pensou 'agora eu caio'?Sim. Após a queda na Libertadores. E o presidente (Andrés Sanchez) foi muito forte. Para o Corinthians, a Libertadores tem uma dimensão maior ainda, porque nunca a conquistou. Vinha pressão de todos os lados. O jogo seguinte era o clássico contra o Palmeiras. O presidente chegou e disse para encararmos a situação, trabalhar e deixar o que acontecia do lado de fora. Respeitamos as manifestações do torcedor e revertemos.
Ele ou alguém já te disse que tem que ganhar o título?Não. Mas cobra o melhor, excelência, conduta, trabalho, competência, igualdade com atletas, seriedade. Devo ser cobrado, porque também cobro dos atletas. Essa cobrança tem dele, do Roberto (de Andrade, diretor de futebol), do Duílio (Monteiro Alves, diretor adjunto de futebol).
Teve um jogo no Brasileiro, contra o Atlético-MG, em que suas substituições foram decisivas para virar o placar. Imagino que tenha ficado satisfeito e orgulhoso do seu trabalho naquele dia, não?Sim. Em alguns momentos, se evidencia mais uma situação ou outra. Mas se coloca o atleta, e ele não tem um desempenho bom, a ideia pode estar certa, mas ela não se transforma. Vou te dar outra situação que foi significativa. Não sei se as pessoas colocaram, mas eu fiquei muito feliz. Contra o Cruzeiro, com dez minutos de jogo, inverti o Willian da direita para a esquerda, porque o Vitor (lateral direito cruzeirense) estava dando muita dificuldade na saída, dando profundidade, fazendo tabela. Então o Willian começou a vencê-lo em lances pessoais e finalizar, trancou a saída de jogo dele. O Alex também melhorou na ponta direita. Só que o Danilo ainda não estava no seu normal. Eu o chamei no intervalo, ele disse que a marcação estava difícil. Coloquei ele na direita, e o Alex no meio. Pedi que ele segurasse a bola, e ele cresceu no segundo tempo, e a equipe cresceu também. Às vezes, esses pequenos movimentos de jogo trazem resultado.
Sem ser pelas substituições, é possível ver o trabalho do treinador?O dia a dia te permite. As pessoas que estão no dia a dia conseguem perceber o treinamento, a forma de comando do treinamento, como o treinador orienta, a intensidade que tem, o nível de concentração que o atleta presta ao treinamento, o nível de concentração que o treinador presta. Se é uma coisa mais light, técnico conversando com dirigente, desatento, ou se está focado. Quando falo 'ele' é ele e seus assistentes também. Dá para perceber toda essa situação.
Mas por que prestar atenção em rachão?Vou dar exemplo para demonstrar. No intervalo do jogo contra o Fluminense, disse aos atletas que sabia que estavam desconcentrados. Eu já conheço o habito de cada um, como cada um reage quando está se preparando para o jogo. Sei qual é o ritual deles, como é que ficam com o braço, se estão muito sorridentes. Presto atenção nas reações, nesses sinais que o atleta dá. Porque eu tinha um ritual e sabia, como atleta, como eu era. A gente chama isso de cheirar vestiário. Sabia que iam entrar sem estar devidamente preparados, competitivos, para dentro dos caras, forte. Quando terminou o jogo contra o Cruzeiro, na hora da oração, o Julio Cesar lembrou o que tinha sido cobrado depois do jogo contra o Fluminense, e falou da mudança de postura, da concentração. Pegando ate um gancho de literatura, eu tinha imagem do Beckham como grande marketeiro, um cara que falava e vendia muito, que dentro do campo era mais marketing. Quando li a manifestação do Valdano (treinador argentino que dirigiu clubes na Espnha) em relação a ele (no livro "Valdano, sueños de fútbol", de Carmelo Martin), mudei de ideia. Segundo o Valdano, quando o Beckham entrava para o treinos, era extremamente concentrado e competitivo. Nos jogos, estava muito envolvido, era possível ver pelo ritual de botar a meia, vestir o calção, o jeito de olhar. Tinha-se certeza de que ele estava concentrado. Essa percepção é fundamental para esporte de alto nível. Tudo que se passa, a gente sabe.
Já teve vez em que percebeu isso e tirou atleta do jogo?Tirar, não, mas chamar atenção. Eu falei 'aqui, ó, tá errado, aqui, ó, tá muito zunzunzum, tem muito papo, tá desconcentrado e se entrar desse jeito, se não mudar, vai ser atropelado, eu conheço'. Foi o Magrão (volante que trabalhou com Tite no Internacional). Eu disse 'te conheço, você não sorri quando está se preparando para o jogo, você fica de maneira diferente'. Não me lembro do jogo, mas lembro que ele abaixou o olho e disse que eu estava certo.
Existe má vontade com você em São Paulo por ter assumido projetos apenas para salvar times do rebaixamento?Não má vontade, mas talvez não lembrem as circunstâncias em que peguei os times. E agora: que tipo de trabalho é dado? Me deram tempo de trabalho, de formação e reformulação de equipe três vezes.
Quando recebeu o convite do Corinthians, não pensou em ficar nos Emirados para disputar o Mundial?
Pensei sim. Quando fui para lá, era uma coisa extraordinária. Quando vi que estávamos classificados para o Mundial, olhei para o lado, para a minha esposa e disse que iria mesmo a equipe não sendo de ponta. Porque seriam dois jogos só. É como o Internacional, que tinha uma equipe muito inferior tecnicamente ao Barcelona, mas era um jogo só contra o Barcelona. O Abel Braga (treinador) teve uma felicidade extraordinária. Nos últimos dez anos, foi o maior marco de uma vitória de treinador. Ele amarrou a equipe adversária, que não jogou no último terço do campo. O Barcelona trabalhava só em zona de armação, não em zona de conclusão. Participar do Mundial e vencer seria extraordinário, mas eu sabia também que viria para um grande clube, que também tinha condições de título e não viria para salvar de rebaixamento.
Você disse nessa semana que marca adversário que faz graça, toca de calcanhar, quando está vencendo. Isso te incomoda?É um defeito que eu tenho. Eu perdôo, mas não esqueço. Consigo ver aquele cara que quer tripudiar. Tem um jogador que estava ganhando um clássico por 4 a 0 e olhou para o meu banco. Percebo quando tem ar de desprezo. Eu não vou dizer o nome, mas tenho marcado o jogador até hoje. Esse aí vai ter volta. Não vou cobrar na mesma moeda. Mas vou bater assim (nas costas) e dizer 'te lembra de quando fez aquilo para mim?. Agora a bola deu a volta'. Cobrei aqui de alguns jogadores que tocavam e viravam o rosto, disse para não fazerem. Um deles disse que não fazia para tripudiar, mas pedi para cuidar, porque existe o outro lado. Cobrei do Bruno Cesar (meia que deixou o clube neste ano), que, depois de uma vitória sobre o Santos, disse que sempre deitava neles. Ali na frente, você vai comer a massa, porque eles vão vir dentro de ti e de nós todos. Então tem que respeitar o outro lado. Ganha e vai vibrar com os amigos, família, torcida. Não tem que ficar feliz com a tristeza do outro.
Tem algum adversário que o Corinthians vai enfrentar ainda neste ano que esteja engasgado por isso?
Não. Talvez tenha ficado alusão porque o último jogo será o clássico contra o Palmeiras. Mas o que tinha com o Palmeiras foi tratado na hora. Não é jogador do Palmeiras.

Fonte : gazeta.com.br

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