‘MINHA MULHER MARCA MAIS DO QUE O WILLIANS’, REVELA THIAGO NEVES

Publicado  sábado, 18 de junho de 2011


Ao transformar a vida de Thiago Neves num roteiro, o script indica como gênero o drama com final feliz. Um "The end" meio clichê do menino pobre que, via futebol, ficou rico. Mas o garoto de Uberaba, bairro humilde de Curitiba, carrega em sua biografia uma originalidade rica em aventura, ficção, comédia, romance e suspense.
Thiaguinho, o agora badalado Thiago Neves, camisa 7 do Flamengo, assume um papel de adorável sedutor sem seguir um padrão de beleza. A molecagem, ou irresponsabilidade medida em fita métrica, é uma das assinaturas deste canhoto, capaz de sair da alça de mira — ou de ira — de 35 milhões de rubro-negros por dançar o "Créu" quando fez três gols num Fla x Flu, em 2008, e cair no colo desta nação chamada Flamengo.
Uma bula de convencimento escrita com a sabedoria que a vida lhe impôs: o garoto que jogava tênis com a tábua de carne era o mesmo que, enquanto a mãe trabalhava, cuidava do irmão mais novo e adotivo. As atribuições ainda recebidas na fase da inocência não o fizeram parar de sonhar, apesar de ver dentro de casa a desnudada realidade.
Thiago foi hábil o suficiente para brincar e brilhar. Ousado — ou doido — a ponto de largar a bicicleta e comprar um Peugeot, mesmo sem saber dirigir. Na infância, teve a ausência do pai. Após a fama, sentiu sua presença ao ser processado por ele. De galanteador a preso às garras da mulher Marcela, por quem é facilmente vigiado, muita coisa mudou... E Thiago continua o mesmo cara que faz graça de quase tudo.
— Ela (a mulher) marca mais do que o Willians — brinca Thiago, referindo-se ao meio-campo do Flamengo, reconhecido como um dos melhores marcadores do Brasil.
Com a tatuagem no braço esquerdo, colorida com as palavras Deus e família em japonês, Thiago Neves reverencia sua vitória pessoal com humor acima do padrão. Invariavelmente, solta a expressão "Tá louco!", como forma de revelar espanto com a própria guinada ou suas peripécias. Ainda garoto, viu a mãe Siliane chorar a perda do filho recém-nascido, o irmão Leandro. Dias depois, um bebê foi deixado na porta da acanhada casa. Batizado como Fernando, o menino supriu uma ausência e ocupou seu espaço. Como a mãe, enfermeira, saía para o plantão, Thiaguinho, com 14 anos, ouvia os berros dos amigos brincando na rua, mas exercia cirurgicamente as funções de irmão mais velho. A cinta de dona Siliane era o remédio — ou sossega-leão — para possíveis dribles no dia a dia.
— Fazia algo para comer. A gente se virava tranquilo enquanto minha mãe trabalhava. Ele era tranquilão e a gente não brigava muito. Foi sofrido, mas valeu a pena — lembra ele.
Azzurra, o primeiro time
Era só sentir as passadas da mãe se aproximar para Thiago se livrar do fardo e voltar a ser apenas um menino. No campinho de terra batida, onde a poeira subia e a bola sumia, com o espaço demarcado por enxadas e com traves improvisadas, o aspirante a craque já despontava. Mandava e desmandava no Azzurra, nome em homenagem à Itália. Atrás de bola nova e uniforme, o time "vendia" o nome para bares, empresas locais.
Na rua, era o moleque travesso que soltava pipa, embora admita nunca ter sido um mestre com o carretel. Na terra, jogava bola de gude. Na adolescência, dividido entre o espírito infantil e as tentações, Thiago Neves "imortalizou" ainda mais o campo de terra batida. Lá, no vestiário, transou com a namoradinha de 15 anos, com quem perdeu a virgindade:
— Como era gostoso (risos)! No campinho em que a gente jogava pelada, brincávamos de tênis. Ô, louco! E, se tem bola, sou bom. Pipa não era o meu forte. Mas solto até hoje. Ainda mais agora que o Júnior César (lateral-esquerdo) veio para o Flamengo. Vamos para Suruí brincar. Na infância, fazia cerol na linha do trem. Pegava a meia fina da minha mãe para o cerol ficar fininho.
Ausência paterna
O jeito pimpão escondia um vazio. No silêncio de seu canto, quando as noites frias caíam sobre Curitiba e o cansaço da rotina infanto-adulta o levava à cama, Thiaguinho sentia a ausência do calor paterno. Durante todo o período de vacas magras, o padrasto Zé Carlos ofereceu o ombro, mas a tristeza sempre vinha no encontro familiar, quando os primos sentavam no colo dos pais. Separado de dona Siliane quando Thiago tinha 1 ano, Onivaldo Augusto reapareceu quando o filho, já famoso como o "jogador Thiago Neves", era profissional no Paraná. E a presença se materializou de forma indesejável. Uma notificação judicial informava a Thiago, na época atleta do Fluminense, que seu pai o colocara na Justiça em busca de pensão.
— Isso me incomoda um pouco. Ele não esteve do meu lado até eu chegar ao profissional. Já perdoei, mas tenho uma mágoa. Procuro esquecer, ele é meu pai. Veio para o Rio, viu as finais do Campeonato Carioca. Mas minha mãe foi meu pai também. É difícil. Dou moral para ele (ajuda financeira). Disse que não era preciso ir à Justiça, fazer o que fez — conta.
É uma cicatriz que o tempo vai tratar de sarar, embora Thiago se materialize como um zagueiro impiedoso. Junto ao processo de perdão surge como freio todo o drama da superação. Tantas vezes sem R$ 1 no bolso, recebeu ajuda de vizinhos para pagar a passagem de ônibus. Quando faltava a solidariedade, ia de bicicleta de Uberaba até o Paraná Clube:
— Já chegava aquecido! (risos). Nem sentia as pernas mais...
Anos mais tarde, passou a ir de ônibus, um avanço até então. Alguns passageiros já o reconheciam na condução, o que conferia a certeza de que o futebol lhe abria portas. Literalmente. E as de um Peugeot 206. O menino que sonhava comprar um Nike Shox ("Pô, tinha quatro molas!") e um celular Startak ("Aquele do olho azul...") assinou o primeiro contrato profissional e, ao ver R$ 1 mil depositados na conta, pensou estar rico. Na renovação, subindo para R$ 3 mil, não resistiu: parou numa agência de automóveis, munido de todos os documentos, e saiu de lá com um carro. Não sabia se conseguiria pagar as 48 parcelas. Não sabia nem dirigir.
— Saía com o carro. Morria no sinal e, meu Deus, eram dez minutos para andar de novo — conta, às gargalhadas.
Assédio feminino
Longe de ser um galã, Thiago Neves ganhava a estrada do futebol que, inevitavelmente, desemboca na fama. Era muito assediado pelo público feminino. Brinca, inclusive, dizendo que "passava o carro mesmo", alusão à voracidade por mulher. De tantos "atropelamentos", passou a identificar a ação das maria-chuteiras — "Pelo jeito de andar e se vestir, a gente reconhece logo". Numa das aventuras amorosas, em 2008, relacionou-se com uma menor, de 15 anos. Nasceu Y. O jogador pediu exame de DNA para reconhecer a paternidade. Hoje, pouco vê a filha, o que, afirma, lhe incomoda. Afinal, repete o filme da ausência do próprio pai.
Do romance com a modelo curitibana Danyelle Camargo, desfeito a poucos dias de subir ao altar, resta um processo judicial em que ela busca comprovar a união estável. O homem que se deixava seduzir seduzia pelo olhar e pelo rebolado das mulheres, no entanto, caiu nas garras de uma tricolor que, enrolada à bandeira do Fluminense, deixou Thiago de queixo caído nas Laranjeiras. Com Marcela, o meia do Flamengo casou e tem a filha Maria Carolina, de 1 ano. Se autodenomina um amante à moda antiga, capaz de aprontar surpresas para a mulher — jantar, flores, presentes... E, nas entrelinhas, deixa escapar o desejo de ter um filho, para seguir a dinastia dos Neves.
— Fui muito feliz na infância. São coisas que a minha filha não vai fazer e o meu filho, quando vier, também não — diz, acrescentando, sem pestanejar, qual a mulher ideal: — A minha, né! Tá louco!
Com planos para o futuro — pessoais e profissionais —, o jogador pensa em permanecer no Flamengo por muitos anos, após passagem pelo futebol árabe. Está feliz pelo fato de o Rubro-Negro ter emitido uma carta ao Al-Hilal para exercer o direito de compra — cerca de 8 milhões de Euros. Com a camisa do Fluminense, em 2008, Thiago Neves fez três gols no Flamengo e, para provocar, dançou o "Créu". Quem diria... Três anos depois, já no novo time, teve uma alta conta a pagar. Dias antes de Ronaldinho Gaúcho ser apresentado na Gávea para 20 mil torcedores, Thiago teve apresentação para 30 jornalistas numa sala de imprensa.
— Tinha que fazer algo para a torcida ficar do meu lado. Sabia que iam me olhar meio de banda. Não estava bem tecnicamente, tive que suar. Consegui! — vibra.
De Uberaba à Barra da Tijuca, Thiago conserva o jeito moleque e revela o improvável poder de sedução. Ele deu um "Créu" na adversidade.

Fonte : extra.com.br

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